sexta-feira, 25 de maio de 2012

Foi bom te ver


Sabia que havia algo de errado naquele lugar, eram 07:20 de uma sexta-feira qualquer, assim como hoje, o estabelecimento ainda estava fechado, mas como era de um todo envidraçado, conseguia enxergar nitidamente quem se encontrava no andar inferior do mesmo. Hesitei um instante no momento em que vi, uma mulher abrir uma porta paralela, bem ao lado do local, porta que dava direto na escadaria para o andar superior. Apertei a campainha e esperei, pensando é claro, que a mesma mulher que acabara de entrar, seria a que me atenderia.

Quando a porta se abriu, meu coração disparou, meu corpo endureceu, soei frio e quase caí para trás de tão surpreso que fiquei.

— O que você quer? — Ela disse.

O olhar dela era vago perante aos olhos de quem não a conhecia, mas eu sabia que ela me olhava com ceticismo, com frieza.
Fiquei um bom tempo sustentando seu olhar, não sabia o que dizer, não esperava reencontrá-la, ainda mais ali, justo naquele lugar, tão próximo de onde eu morava.
Ela ainda tinha o piercing acima do lábio, mas haviam outros novos, uma argola preta no nariz e outra argola na parte de cima da orelha. Seu rosto estava um pouco mais magro, mas ela continuava atraente.
Respirei fundo e retomei meus pensamentos, virei o rosto para dar uma olhada no local com o vidro, bati com os dedos, para conseguir chamar a atenção, da mulher que estava dentro do estabelecimento.
Enquanto a mulher se dirigia para a porta, para é claro, me atender, a que estava na minha frente, continuava parada, sem tirar os olhos de mim, esperando uma resposta. Seus olhos me fuzilavam. Porém, qualquer pessoa que não a conhecesse, e olhasse fundo em seus olhos, não saberia que ela estava com raiva, mas eu sabia. E que raiva era aquela em seu olhar! 

— Pois, não, algum problema?
Virei o rosto automaticamente depois de ser acordado dos meus pensamentos.
— Oi... er. — Eu disse, mais uma vez, ignorando sem querer a garota na minha frente. — Sabe me dizer se conhece meu amigo que trabalha, ou trabalhava aqui? Um cara cheio de tatuagem, com um cabelo quase moicano parecendo fogo? Ele é japonês. Faz tempo que não o vejo por aqui, como troquei de número, não sei como me comunicar com ele.
— Eu me lembro dele, mas infelizmente sou nova aqui, quem saberá lhe informar melhor, é essa moça na sua frente.
— Obrigado. — Eu disse, em seguida voltei a olhar para a garota, a mulher que ainda esperava em silêncio, imóvel e com o rosto inexpressível ao ver alheio, por uma resposta.
— Faz muito tempo que trabalha aqui?
— Faz.
Monossilábica. Amo! — Pensei ironicamente.
— Nunca a vi por aqui, e olha que deveria, pois passo por aqui quase todos os dias, para não dizer todos.
— Eu sei. Agora me tornei uma pessoa discreta.
"Eu sei"? Será que ela anda me vigiando? Hm, parece que sim.  — Pensei novamente.
— Entendi.
— O que você quer? — Ela fez a mesma pergunta de antes.
— Você sabe. Só vim procurar por um antigo amigo, mas vejo que foi em vão, já que ele não trabalha mais aqui.
— Hum.
— Está linda. — Sorri enquanto abaixava os olhos, era um sorriso bobo, eu sorria comigo mesmo pelas palavras idiotas que acabara de dizer. É claro que ela está linda, seu idiota, ela sempre foi. E então, me recordei do dia em que vi a mãe dela, não cheguei a conhecê-la formalmente, mas a vi num dia em que eu estava com alguns amigos em um Shopping. A mãe dela e a irmã dela. Senti necessidade de ir lá e pedir para que dissesse a outra filha, no caso você, que lhe mandei lembranças. Mas seria uma atitude inútil, uma tolice, pois nem a mãe, nem a irmã, sabia da minha existência. Ela é tão parecida com a mãe! É incrível! Sorri de novo antes de voltar a si. — Eu tenho que ir. Foi bom te ver.

Dei as costas e comecei a caminhar na direção que — a algumas quadras adiante — era a minha casa.
Dew! Ela me chamou. Olhei para trás sem ânimo algum.
— Ele está trabalhando em outro lugar. Chama-se Any's Studio Tatto's.
— Obrigado. — Sorri mais uma vez comigo mesmo. Pois eu já esperava que ela dissesse isso.

Estava prestes a virar-me pela segunda vez, para retomar o rumo para casa, quando ouvi suas ultimas palavras.
— Foi bom te ver também. — Ela disse com os olhos serenos.

Realmente, foi bom te ver,
mesmo que só em sonho.

Take me to L.A.

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